Otávio e Gustavo Pandolfo conversam entre si por telepatia, usam a rua como brinquedo e têm certeza de que não pertencem (apenas) a este planeta. Há um outro universo inteiro, inclusive, no qual eles se sentem bem mais confortáveis. Esse lugar é Tritrez. É de lá que vêm os personagens amarelos que viraram sua marca registrada. Para a dupla de grafiteiros conhecida como OSGEMEOS, desenhar é abrir as portas deste mundo para nós, reles habitantes do planeta Terra. Intervindo nas ruas de São Paulo desde os anos 1980, os irmãos deixaram as fachadas de lojas do Cambuci, onde nasceram, para levar suas tintas para cidades como Los Angeles e Londres. Aqui eles contam um pouco sobre o que os inspira.
O que inspira vocês? O que mais nos inspira é a nossa própria vida. O cotidiano, os sonhos, as viagens, as relações interpessoais, a família, as músicas, o teatro, o cinema, os amigos, outros planetas, o sexo, o amor, os desafios, o hip-hop, a nossa infância. Todos os dias estamos em processo criativo e sofrendo influência de todas as formas.
Como foi o processo para encontrar a linguagem de vocês? Na hora certa e no momento certo. É no que acreditamos. Sempre tivemos uma família que nos apoiou, mesmo em situações difíceis. No fundo eles acreditavam em nós. A busca foi natural, como se soubéssemos de onde viemos e para onde vamos. Precisávamos encontrar a porta certa para abrir — e assim fizemos.
“Usamos a rua como brinquedo. O problema é que sempre
gostamos de colocar fogo nos brinquedos”
Vocês ouviam muito Pink Floyd nessa época de autodescoberta. A música levava vocês para outro universo onde existiam esses personagens amarelos? Com certeza sabemos que não pertencemos só a esse planeta, mas temos uma missão aqui. Crescemos com nosso irmão mais velho, o Arnaldo, ouvindo e assistindo “Pink Floyd, The Wall”, quando tínhamos uns 7 anos de idade. Isso também contribuiu muito para acreditarmos que estavámos no caminho certo.
Vocês tiveram a rua como brinquedo e hoje a têm como tela. Como decidem onde usarão suas tintas? Usamos a rua como brinquedo. O problema é que sempre gostamos de colocar fogo nos brinquedos e transformá-los.
Trabalhar na rua é também estar exposto a intervenções da cidade, do tempo, das pessoas. Muitas obras de vocês foram apagadas. O que sentem quando isso acontece? Vivemos em São Paulo. Uma cidade em constante mudança, tanto para o bem quanto para o mal. Estamos intervindo na rua desde os meados dos anos 1980. Acreditamos que uma cidade como esta tem problemas muitos mais sérios do que a preocupação de apagar graffiti pelas ruas.
Sei que vocês têm o mesmo traço e se complementam, mas como é o movimento de criação em dupla? Não sabemos o que é trabalhar separados. Temos certeza de que já estávamos juntos antes de nascer e, por isso, viemos juntos. Descobrimos nosso universo juntos e sempre estaremos juntos.
Vocês têm uma conexão muito forte.Quando perceberam que podiam se comunicar à distância? Não sabemos. É natural, não sabemos o que é não ser assim. Conversamos por telepatia.
No livro “Codex Seraphinianus”, do arquiteto italiano Luigi Serafini, há uma provocação para que o leitor se aproprie do significado das ilustrações. É essa um pouco a vontade de vocês? “Codex” é mágico! E o Luigi, um grande artista. Desenhar é abrir portas e trazer pessoas a terem contato com nosso universo. Nossa missão é dividir isso com todos.
Vocês falam sobre Tritrez, um universo paralelo onde vivem seus personagens. Sentem-se inadequados para este mundo e desejam ficar por lá? Moramos, vivemos, acreditamos, sonhamos e estamos 24 horas em Tritrez! Às vezes, realmente nos sentimos inadequados neste mundo aqui! Preferimos Tritrez!