Apesar de suas orientações políticas, os brasileiros parecem se unir sob um mesmo desejo: mudança. Segundo estudo do instituto de pesquisa Ipsos, publicado em meados de agosto deste ano, 94% da população não se sente representada pelos políticos que estão no poder e 81% acredita que a raiz dos problemas do país é o sistema político e, não, um partido específico. Em resumo, os resultados revelam o acirramento de um problema muito debatido nos últimos anos: a crise de representação vivida pela democracia brasileira.
Em 2014, o cientista político Ricardo Borges Martins, hoje com 30 anos, já era um desses insatisfeitos com o estado da política nacional e, mais especificamente, com a crescente polarização do país. “Existiam diversos movimentos, coletivos e organizações que incidiam sobre o tema política, mas não tinham visibilidade”, relembra. “Enquanto o centro apodrecia, as bordas floresciam”.
Com vontade de evidenciar essas iniciativas que propunham novas formas de pensar e fazer política, ele e alguns amigos decidiram formar um coletivo e criar um espaço de encontro e debate. Nascia assim a Virada Política, que naquele mesmo ano reuniria no Largo da Batata, em São Paulo, ativistas, artistas, pensadores, pesquisadores e empreendedores sociais para dialogar com um público de mais de mil pessoas. Desde então, o evento cresce a cada ano e já se encaminha para sua quarta edição, que será realizada nos dias 11 e 12 de novembro.
“Vemos centenas de experiências de transformação política vindas da sociedade civil que já estão impactando a vida de muita gente e que, aos poucos, encontram brechas para oxigenar o nosso sistema político institucional”, conta Pedro Kelson, 29, um dos integrantes do coletivo. “Sabemos que uma sociedade civil engajada e cooperativa não garante um melhor sistema político, mas é uma via importante para tal. E é por isso que nos esforçamos para criar um espaço de encontro entre todas as pessoas que queiram fazer algo a esse respeito”.
Abaixo, Pedro conta a história do coletivo e fala sobre os possíveis caminhos que levarão à renovação da democracia brasileira.
Quem participou da primeira Virada? Quantos pessoas compareceram?
A primeira edição da Virada Política aconteceu em 2014 no Largo da Batata. Apesar de ter sido um dos dias mais frios do ano, passaram pelas atividades cerca de 1.000 pessoas. Muitas delas participavam ou acompanhavam as iniciativas que lá estavam se apresentando, e muitas outras outras estavam passando por lá por acaso e pararam um pouco para ouvir e conversar. Estiveram presentes iniciativas como o Colab, Sonho Brasileiro da Política, Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Engajamundo, Meu Município e mais outros 30 projetos da sociedade civil que têm trabalhado para incidir sobre a Política. De 2014 para cá, os eventos têm tido cada vez mais participantes e público: no ano passado foram 56 iniciativas inscritas e mais de 2.000 pessoas.
Quem é o perfil (idade, escolaridade, classe social) do público da Virada?
A Virada Política é aberta ao público em geral. Nessa quarta edição teremos, por exemplo, os “aulões” – palestras e oficinas para apresentar noções básicas de funcionamento sobre o sistema político. Haverá ainda assuntos mais específicos como reformas, consumo, direitos humanos, advocacy, segurança pública e muitos outros, para quem quiser se aprofundar mais em determinados temas.
O que o coletivo considera a nova política?
A Virada Política trabalha com a ideia da política para além das instituições, o que não significa ignorar as questões estruturais do sistema e do regime político, mas enxergar a política da perspectiva da sociedade: de que maneiras movimentos, coletivos e organizações têm incidido sobre as instituições e que contribuições fazem para a cultura política como um todo. Para nós, a política está presente nas escolhas que fazemos todos os dias, na forma como interagimos uns com os outros e como lidamos com as divergências. Alguns princípios e valores orientam aquilo que entendemos como política, como a garantia dos Direitos Humanos Universais, a Democracia enquanto valor e o Diálogo como uma importante via para construirmos a melhor sociedade possível.
Quais são os passos para alcançá-la?
Existem múltiplos caminhos para isso. O caminho que estamos apostando com a Virada Política é de que uma sociedade civil engajada e participativa, aberta ao diálogo, à cooperação e a construção coletiva do bem comum seja um importante passo para o desenvolvimento político. Por isso, a Virada Política reúne anualmente ativistas, artistas, pensadores, pesquisadores, empreendedores sociais e o público em geral para trocar experiências, percepções, opiniões e boas práticas políticas.
Quais são as vias alternativas à política tradicional?
Vemos centenas de experiências de transformação política super interessantes vindas da sociedade civil em todo o país. Há um ecossistema grande de iniciativas políticas acontecendo em todos os níveis, que já estão impactando e transformando a vida de muita gente e que, aos poucos, encontram brechas para oxigenar o nosso sistema político institucional.
Contudo, as alternativas à política tradicional não estão prontas. Essa alternativa provavelmente não virá como um pacote único, mas como uma construção dialogada entre os diferentes. Sabemos que uma sociedade civil engajada e cooperativa não garante um melhor sistema político, mas é uma via importante para tal. E é por isso que nos esforçamos para criar um espaço de encontro entre todas as pessoas que queiram fazer algo a esse respeito.
O coletivo está presente em outras cidades? Quais?
Esse ano tivemos uma frente de trabalho focada especificamente no suporte para quem quisesse replicar a Virada Política em outras cidades. Foi uma decisão que nos demandou muito trabalho, mas que igualmente nos dá muito orgulho. Para nós é incrível ver outras Viradas nascendo e se consolidando em diferentes cidades. Os grupos que estão virando a política são Recife, Rio de Janeiro e Brasília. E é claro que fica o convite pra quem quiser replicar a Virada Política na sua cidade. É só falar com a gente!
Como é atuação do coletivo?
O coletivo Virada Política não está ligado a nenhum partido político ou grupo ideológico. Tudo é feito de forma voluntária e, tanto o evento quanto as várias ações realizadas ao longo do ano, acontecem na base da colaboração e do financiamento coletivo de pessoas físicas (crowdfunding). Realizamos ainda cursos ministrados pelos participantes das iniciativas que se apresentaram na Virada Política. Isso garante que permaneçamos como um coletivo independente, motivado e apaixonado.
O objetivo final do coletivo é realizar o evento Virada Política, sempre no final do segundo semestre do ano. Contudo, a construção do evento, dos cursos e das várias ações que acontecem ao longo do ano já faz parte do processo de aprendizagem daquilo que entendemos como Política.
Tudo é feito de forma bastante horizontal, sem hierarquia ou cargos. Muito diálogo e muita reflexão sobre a forma como estamos tomando as decisões e criando processos fazem com que a gente esteja sempre se reinventando. Parte do trabalho é feito a partir das redes digitais e outro tanto em encontros presenciais frequentes. Essa entrevista, por exemplo, está sendo escrita a oito mãos, ao mesmo tempo, através de ferramentas de texto online.
Quem são os fundadores? Quantos membros são afiliados?
Das pessoas que fundaram e participaram da primeira edição, continuam Carla Mayumi e Ricardo Borges Martins, mas muitas outras fizeram parte da construção inicial e novos integrantes continuam chegando e colaborando com o coletivo desde então. Somos em mais de 20 pessoas na organização do evento aqui em SP, além dos voluntários das outras cidades.