Sobre homens e máquinas
um dos primeiros ciborgues do mundo, Rob Spence nos mostra a vida sob nova ótica e nos convida a revisitar o que antes era tratado apenas como ficção.

Alvo de polêmicas e processos, o documentarista Rob Spence tem uma câmera de vídeo no olho direito desde 2010. Sinopse que costuma gerar confusão, já que muita gente presume que ele substituiu um globo ocular saudável pela máquina — o que não é verdade. O canadense perdeu a visão num acidente, aos 9 anos, e só aos 36 se submeteu à transformação digna de filmes científicos.
Sua ideia era utilizar a tecnologia para contar histórias sob um novo ponto de vista — literalmente. A princípio a câmera wi-fi levaria ao ar, em tempo real, tudo aquilo que ele observava. Para quê? Apenas para testar um novo formato de filmar registros em primeira pessoa.
A escolha o colocou no centro de uma questão que dilata as fronteiras que separa(va)m tecnologia e ser humano, e nos provoca a refletir sobre questões de privacidade, direitos e segurança. E também da definição de ciborgue, que, segundo o dicionário “Michaelis”, significa um ser humano adaptado por meios cibernéticos.
Sem reconhecimento oficial, Rob se autointitula eyeborg. Com equipamentos mais sofisticados do que os que utilizava no início, faz uso da pequena filmadora ocular para entrevistar pessoas que propositalmente modificaram seus corpos para implantar aparatos tecnológicos — um processo novo, mas “não muito diferente do implante silicone, na minha humilde opinião”.
POWER TO THE PEOPLE
“A tecnologia certamente pode descentralizar o poder e mudar completamente o cenário político, econômico e social do mundo. Com o avanço da internet e a disseminação em larga escala de conteúdo, rupturas importantes podem acontecer antes mesmo do que imaginávamos. No final das contas, o que não podemos perder de vista é que informação é poder — e daí voltamos àquele ponto de todo mundo se incomodar com a câmera no meu olho.”
MEDO DO MEDO QUE DÁ
“O que incomoda de verdade as pessoas é a questão da privacidade: assim que elas descobrem que uma filmadora ocupa o que antes era o meu olho, elas ficam preocupadas com o uso especificamente da imagem, porque, curiosamente, o áudio não é algo que lhes preocupa.”
LEGALIZE JÁ!
“Tal qual o implante de silicone, que vem acompanhado de números e mecanismos de controle, qualquer intervenção tecnológica no corpo humano deve passar por filtros legais — e a gente precisa começar a discutir como isso vai se desenrolar. É um assunto urgente, inclusive.Sou o primeiro a levantar a bandeira da regulamentação.”
SORRIA, VOCÊ É UM CIBORGUE
“Se ciborgue é todo indivíduo dotado de partes orgânicas e cibernéticas, então são poucos os que escapam dessa definição: o celular te faz um ciborgue. Sei que pode soar estranho, mas a gente carrega esses aparelhos junto ao nosso corpo para todos os lados. Então, qual a diferença? Sim, tenho no meu olho uma filmadora, mas todo mundo tem nas mãos uma máquina capaz de fazer exatamente o mesmo, e ninguém desgruda dela.”
CHIPS E EMPRESAS
“Vimos recentemente que funcionários se voluntariaram a implantar nas mãos chips ligados às suas corporações. Há toda uma discussão em torno dessa decisão e muita gente tem despejado críticas ferrenhas, mas não consigo achar isso diferente dos telefones corporativos. Pense só: pelo celular, eles conseguem saber sua localização, seus horários e com quem você fala. É tão ou mais invasivo que um chip de controle de ponto.”
BRACE YOURSELVES
“O maior desafio que desponta no horizonte são os vídeos falsos. Da mesma forma que hoje somos manipulados por fake news, os softwares que alteram vídeos estão cada vez mais sofisticados, e muito em breve será quase impossível distinguir o que é real e o que é uma realidade inventada.”